REGIME JURÍDICO E PREVIDENCIÁRIO DOS AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE E AGENTES DE COMBATES ÀS ENDEMIAS CONTRATADOS POR MEIO DE PROCESSO SELETIVO PÚBLICO

O presente artigo visa subsidiar, de forma clara e didática, os gestores públicos municipais acerca das naturezas dos vínculos e a forma de admissão de servidores nas funções de agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias, contratados juntos aos Municípios.

I – INTRODUÇÃO

Aqui, abordaremos mais detalhadamente sobre as contratações ocorridas anteriormente a promulgação da Emenda Constitucional n. 51, de 14 de fevereiro de 2006, regulamentada pela Lei n. 11.350, de 5 de outubro de 2006, que possibilitou uma regra de aproveitamento daqueles contratados anteriormente por meio de processo de seleção pública.

Ao atuarmos como consultoria proativa junto aos Municípios, observamos que os gestores deixam o tema de lado, não se aprofundando na parte conceitual, na natureza dos vínculos, forma de ingresso, forma de regime de trabalho ou previdenciário desses servidores, de forma que estes vão apenas “permanecendo” como estão e em muitos casos são tratados de forma incorreta, fazendo um hibridismo de regimes jurídicos, previdenciários e direitos funcionais.

Já encontramos locais onde o servidor foi declarado estável ou efetivado, porém com vínculo junto ao INSS, vinculado a CLT, sem recolhimento ao FGTS, e com benefícios estatutários.

Outros declaram “efetivados”, porém sem o devido processo legal de concurso público, nem a identificação de processo de seleção pública, nos termos do art. 12 da Lei n. 11.350, de 2006, mantendo-os efetivados, sem ajuste nos regimes jurídicos e previdenciários.

Vale lembrar que a estabilidade no serviço público depende do regime de contratação, além de que, todos os trabalhadores regidos pela CLT, com emprego formal, devem ter a carteira assinada.

Diante deste cenário, após detido estudo acerca das legislações que tratam do tema, bem como legislações sancionadas, análise de Ações Diretas de Inconstitucionalidades, identificamos soluções técnicas, devidamente fundamentadas, que auxiliarão os Municípios a trazerem correções neste hibridismo de normas.

II – ADMISSÃO E REGIME JURÍDICO LABORAL

A partir da Emenda Constitucional n. 51, de 2006, que acrescentou o §4º ao art. 198 da Constituição Federal, os gestores locais tiveram a possibilidade de admitir Agentes Comunitários de Saúde e Agente de Combate às Endemias por meio de processo seletivo público, uma forma mais simplificada de contratação, ademais, tanto a Emenda supradita como a Lei n. 11.350 não assegura a obrigatoriedade de ingresso desses profissionais por meio de concurso público, quando se faz por esta forma de recrutamento, é tão somente a facultatividade do Ente na aplicação do art. 37, inciso II da CF.

Imperioso ressaltar que essa modalidade não é a mesma de processo seletivo simplificado possibilitado para os casos previstos no art. 37, inciso IX, da norma constitucional, pois não se trata de excepcional interesse público.

A admissão para os contratos por prazo indeterminado por meio de processo de seleção pública é a previsão constante no art. 9º da Lei n. 11.350, de 2006, que assim dispõe:

Art. 9º A contratação de Agentes Comunitários de Saúde e de Agentes de Combate às Endemias deverá ser precedida de processo seletivo público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para o exercício das atividades, que atenda aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Não obstante, o art. 8º da mesma Lei, prevê ainda que o ingresso para esses agentes se dá para a ocupação de empregos públicos regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, ou de forma diversa que a lei local dispuser, vejamos:

Art. 8º Os Agentes Comunitários de Saúde e os Agentes de Combate às Endemias admitidos pelos gestores locais do SUS e pela Fundação Nacional de Saúde – FUNASA, na forma do disposto no § 4º do art. 198 da Constituição, submetem-se ao regime jurídico estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, salvo se, no caso dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, lei local dispuser de forma diversa.

Corroborando com este fundamento, temos assentado o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5554, a qual julgou improcedente o pedido de inconstitucionalidade, que, na oportunidade, impugnou dispositivos da Lei n. 13.026/2014 (que autorizou a transformação de empregos de agentes de combates a endemias em cargos públicos, no âmbito da União).

Nessa ADIN, foram validados diversos dispositivos da referida Lei, inclusive as que autorizaram a transformação dos empregos públicos federais criados pelo art. 15 da Lei nº 11.350/2006, em cargo de ACE, regido pelo estatuto da Lei nº 8.112/1990. O STF concluiu que a EC nº 51/2006 excepcionou a regra do concurso e possibilitou a admissão dos agentes, mediante processo seletivo público, procedimento simplificado de contratação que viabiliza a escolha de pessoas legitimadas e reconhecidas pela comunidade, desde que atendidos os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, como dito anteriormente.

O STF interpretou ainda que, tendo em vista que o concurso público é aplicável a emprego e cargo público (art. 37, inciso II da CF), a exceção na forma do ingresso desses agentes está preceituada pelo art. 198, §4º da CF e que sobre este fundamento, é indiferente o regime jurídico, de forma que foi assentada a seguinte tese:

“A EC nº 51/2006, ao prever a admissão de agentes de combate às endemias por processo seletivo público, estabeleceu exceção constitucional à regra do concurso público, cabendo ao legislador ordinário definir o regime jurídico aplicável aos profissionais”.

Dito isto, passemos a análise a despeito dos agentes que já estavam vinculados aos gestores locais antes da promulgação da EC n. 51, de 2006.

Considerando ainda as disposições sobre o tema da ADI n. 5554, um dos objetos de discussão, foi a inconstitucionalidade na conversão de empregos públicos em cargos públicos, o que foi julgado improcedente, mantendo-se então a redação da Lei.

Os ACS e ACE que estavam em atividade nos entes federativos em 14 de fevereiro de 2006, data da promulgação da EC n. 51, foram dispensados de se submeter a novo processo seletivo público, desde que tenham sido contratados por processo anterior pela Administração direta ou indireta, ou por outras instituições, com a efetiva supervisão e autorização da Administração Direta, e desde que o processo tenha atendido aos requisitos atualmente exigidos, como dito anteriormente, constantes no art. 9º, § 1º, da Lei n. 11.350.

Considerando então que os ACS e ACE devem ser admitidos em caráter permanente, por prazo indeterminado e que a forma de ingresso por meio de processo de seleção pública foi julgada constitucional pelo STF, a nomeação será em caráter efetivo caso a seleção se destinar para ingresso no regime estatutário ou mesmo se houver a conversão em cargo público.

Nesta esteira, o STF já examinou diversas leis municipais. Podemos incluir as Leis nº 7.955/2011 e nº 9.646/2022 – Salvador/Bahia – TEMA 1132; Lei Municipal nº 081/2011 e Lei Complementar Municipal nº 014/2000 – Macapá/AP – AGR 1291384 e na oportunidade, não apontou qualquer inconstitucionalidade, vez que, essas leis também converteram em cargos públicos esses servidores que ingressaram anteriormente por meio de processo seletivo público.

III. REGIME PREVIDENCIÁRIO E A CONVERSÃO DE REGIMES (PREVIDENCIÁRIO E JURÍDICO)

Para o apontamento do Regime previdenciário de um agente público, deve-se obrigatoriamente identificar a forma de ingresso e de regime jurídico sob a seguinte precedência:

  1. CARGO PÚBLICO EFETIVO- ocupado por servidor público;
  2. SERVIDOR PÚBLICO – regido pelo estatuto dos servidores (REGIME JURÍDICO);
  3. FORMA DE INGRESSO – concurso público;
  4. CONCURSO PÚBLICO – gera efetividade;
  5. EFETIVIDADE – gera estabilidade
  6. SERVIDOR REGIDO PELO ESTATUTO DOS SERVIDORES – se o Ente tiver RPPS, obrigatoriamente se vincula a este Regime Previdenciário.

Já para os agentes que ingressam por meio da CLT, seguimos a seguinte ordem de precedência:

  1. EMPREGO PÚBLICO- ocupado por empregado público;
  2. EMPREGADO PÚBLICO – regido pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT;
  3. FORMA DE INGRESSO – processo seletivo público;
  4. EMPREGADO PÚBLICO – obrigatoriamente vincula-se a regime previdenciário geral – INSS e tem recolhimento de FGTS.

E ainda, teríamos a outra possibilidade, que é a criação de um regime especial de contratação específico para os ACE e ACS, caso a lei do ente dispuser, conforme prevê a possibilidade no art. 8º da Lei n. 11.350, de 2006, todavia não adentraremos neste tema.

O que demonstramos acima, é a miscigenação das formas de ingresso para propormos a transição dos agentes, contratados por um regime e convertidos a outro.

Trataremos então, a partir deste momento, a conversão de regimes em face da possibilidade abrangida nas decisões supraditas.

O regime previdenciário aplicável ao Agente Comunitário de Saúde ou do Agente de combate a Endemias será decorrência da vinculação ao regime laboral (celetista ou outro que a lei dispuser) e das condições de sua admissão.

Nos períodos em que o Ente adotar o regime da CLT para esses profissionais, a filiação será ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS), visto que o § 13 do art. 40 da CF, inserido pela EC nº 20/1998, determina a vinculação obrigatória a esse regime do ocupante de emprego público. A exceção julgada constitucional pelo STF quanto aos ACS e ACE se referiu à forma de ingresso em emprego público ou em cargo público efetivo. Ou seja, foi permitida a conversão de emprego em cargo público.

Ao trazer esses profissionais na conversão de emprego em cargo, automaticamente se faz necessário a identificação, também, da conversão de regime jurídico e por conseguinte, regime previdenciário.

Isso porque, no período em que for adotado o regime de trabalho CLT, obrigatoriamente a filiação se dá junto ao RGPS. Consequentemente, ao se converter o cargo, efetivando-os e estabilizando-os, obrigatoriamente o regime de trabalho passa a ser o estatutário, bem como o regime previdenciário passa a ser o RPPS, isso porque todo servidor efetivo é obrigatoriamente filiado ao RPPS se o Ente assim dispuser.

Lembrando que toda a forma de ingresso para esse tipo de conversão, deve ser precedida sob os princípios constitucionais estatuídos no caput do art. 37 da CF.

Embora haja a possibilidade dessa conversão de emprego em cargo, regime CLT em estatutário e Regime Geral (RGPS) em Próprio (RPPS), o Ente deverá se atentar quanto aos cumprimentos de requisito no cargo e ingresso no serviço público, isso porque a conversão não gera efeitos ex tunc, ou seja, não se considera a data de ingresso no cargo quando empregado. Pois não poderão ser considerados titulares anteriores de cargos que só passaram a ocupar após a transformação, visto que à época não havia expectativa para o então empregado de se aposentar anteriormente em RPPS, não se aplicando regras transitórias.

Por fim, o tempo anterior ao ingresso no cargo efetivo será computado para fins de aposentadoria junto ao Regime Próprio, com implemento do requisito de tempo de contribuição, devendo o servidor apresentar a CTC do INSS, hipótese essa em que haverá a contagem recíproca, nos termos do art. 96, VII da Lei 8.213, de 1991.

BÁRBARA M. P. SEIFERT DE ARAUJO – ADMINISTRADORA (CRA/MS 6449), ESPECIALISTA EM DIREITO ADMINISTRATIVO, COM ÊNFASE EM NORMAS DE GESTÃO DE PESSOAS E REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL

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