O presente documento técnico, visa orientar os gestores no tocante a contratação temporária prevista no inciso IX do art. 37 da constituição federal, uma vez que surgem dúvidas a despeito de haver ou não o tipo de cargo criado por lei, para que então haja a possibilidade de contratação por prazo determinado.
I – FINALIDADE E ABRANGÊNCIA
Na apresentação deste artigo, temos o escopo de subsidiar tecnicamente os gestores e equipe técnica no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem praticados ou já efetivados, envolvendo o exame acerca das contratações temporárias pelo excepcional interesse público, à luz da legislação aplicada à matéria.
Importante salientar que o exame da matéria restringe-se aos seus aspectos puramente técnicos, com o objetivo apenas de orientar quanto a aplicabilidade da norma legal ao caso concreto, observando os requisitos técnicos legalmente impostos e ao detalhamento que envolve o aspecto macro da administração pública, no tocante aos atos administrativos, suas características, parâmetros, requisitos e avaliação dos elementos indispensáveis para seu processamento. Eventuais peculiaridades e particularidades devem ser analisadas de acordo com o caso concreto.
II – A DISPONIBILIDADE DE CARGO CRIADO POR LEI E A CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Comumente nos deparamos com problemas junto aos gestores assessorados, no tocante a alegada impossibilidade de contratação temporária por não possuírem em seu quadro de cargos, o quantitativo ou até mesmo o cargo/função necessário para atendimento de uma determinada demanda.
A compreensão em grande parte das administrações, para não dizer todas, é de que para se atenderem ao excepcional interesse público, se faz necessário a criação do cargo, por meio de lei.
Neste artigo, buscamos trazer aspectos práticos e tecnicamente legais, para demonstrar a desnecessidade de criar os cargos para a contratação temporária pelo excepcional interesse público.
Entender os aspectos técnicos dos vínculos funcionais e a forma de admissão, determinará a coerência técnica e o sucesso das demandas subsequentes dessas contratações, bem como envio das informações aos órgãos de controle externo, especialmente ao Tribunal de Contas de Mato Grosso do Sul, inclusive para as obrigações advindas pelo sistema E-sfinge, que será implementado a partir de 2025.
A Constituição Federal, em seu art. 37, determina que a administração pública deve, obrigatoriamente, se submeter aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Na esteira dos princípios norteadores da administração pública, o mesmo artigo, em seu inciso II, determina que o ingresso no serviço público, depende de prévia aprovação em concurso público, ressalvados os cargos de livre nomeação e exoneração.
Ou seja, a exceção dos cargos comissionados, a única forma de ascender a um cargo público é por meio de concurso público. Em hipótese alguma, se dará por outro meio.
Aqui, ao entendermos o conceito de: concurso público, cargo criado por lei e ascensão ao cargo, por si só já observamos que, ressalvados os cargos comissionados, que são de livre nomeação e exoneração, nenhuma outra forma de ingresso, ocupará os cargos efetivos criados por lei, quais são ocupados apenas por meio de concurso público.
O que temos atrelado ao inciso II do art. 37? Cargo efetivo, forma de ingresso por meio de concurso público, estágio probatório, plano de cargos e carreiras, perenidade.
Todavia, temos uma contratação para coberturas de postos de trabalhos, normalmente de atividades finalísticas, a figura do contratado temporário. E é nesta que há um entendimento divergente daquilo que a constituição assegura.
O inciso IX do mesmo artigo, traz a hipótese de atendimento nas necessidades excepcionais do interesse público, abaixo transcrito:
IX – a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;
O doutrinador HELY LOPES MEIRELLES ensina precisamente a excepcionalidade da contratação temporária em face à regra geral do Concurso Público:
“Além dos servidores públicos concursados ou nomeados em comissão, a Constituição Federal permite que a União, os Estados, e os Municípios editem leis que estabeleçam “os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público” ( CF, art. 37, IX). Obviamente, essas leis deverão atender aos princípios da razoabilidade e da moralidade. Não podem prever hipóteses abrangentes e genéricas, nem deixar sem definição, ou em aberto, os casos de contratação. Dessa forma, só podem prever casos que efetivamente justifiquem a contratação. Esta, à evidência, somente poderá ser feita em processo seletivo quando o interesse público assim o permitir.”
(…)“Tais servidores não ocupam cargos, pelo que não se confundem com os servidores públicos em sentido estrito ou estatutários, nem se lhes equiparam. São os que o Município recruta eventualmente e a título precário para a realização de trabalhos que fogem à rotina administrativa, como os destinados à execução direta de uma obra pública, no atendimento de situações de emergência ou à cessação de estado de calamidade pública”.
(MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2017)
Vejamos que, prioritariamente, o Ente deverá autorizar mediante legislação a possibilidade e os requisitos para os casos de contratação temporária. A excepcionalidade do interesse público, predito no inciso IX, não assegura ingresso em cargo, mas sim na necessidade temporária.
Melhor dizendo, o que precisa ser observado é a necessidade temporária em caráter emergencial para a cobertura de um posto de trabalho, em que, se não houver atendimento, o interesse público se torna prejudicado.
Os agentes contratados temporariamente, não são regidos pelo Estatuto dos Servidores, nem pela CLT, mas obtém contratação por um regime administrativo especial. Ou seja, a lei que autoriza a contratação pode determinar quais preceitos (da CLT ou Estatuto) serão aplicados na contratação temporária.
A doutrina administrativa trata o servidor contratado como uma categoria paralela e própria:
“Por motivos óbvios não podem ser havidos como agentes políticos. Não são servidores públicos nem agentes governamentais, visto que celebram com a Administração Pública um vínculo de caráter eventual, o que não ocorre com essas espécies de agentes públicos, que celebram vínculos perenes. Também não são agentes de colaboração dada a especificidade das finalidades de sua contratação.
Compõem, então, uma categoria própria: a dos agentes temporários. Podem ser definidos como os agentes públicos que se ligam à Administração Pública, por tempo determinado, para o atendimento de necessidades de excepcional interesse público, consoante definidas em lei. Podem existir tanto na Administração Pública direta como na indireta. Não ocupam cargo nem emprego público. Desempenham função, isto é, uma atribuição ou rol de atribuições”
(MARINELLA, 2020, p. 630)
Não obstante, a contratação deve ser por prazo determinado e o excepcional interesse público precisa estar evidenciado.
Podemos destacar ainda que o manual de remessas do TCE/MS corrobora com esse conceito, uma vez que para o envio das admissões de servidores, ocupantes de cargos públicos, diferem dos documentos necessários e obrigatórios dos contratados temporariamente.
Precede o envio das admissões dos ocupantes de cargos, seja comissionado ou efetivo, o envio do plano de cargos, as leis de criação de novos cargos, quantitativo de vagas criadas por lei.
Já para os contratados por prazo determinado, não vincula-se ao quantitativo de cargos criados, mas sim no edital do processo seletivo e as funções abertas para o recrutamento.
Alertamos ainda para os tipos de postos de trabalhos considerados excepcionais. Comumente observamos órgãos públicos elaborando Processos Seletivos para funções estatais ou administrativas e em muitos casos sem observar a admissibilidade prevista na sua própria legislação que trata de contratações temporárias.
Ratificamos, o interesse, o atendimento e a necessidade do excepcional interesse público, precisam estar evidenciados. Trazemos à baila, como maiores exemplos as funções e postos de trabalho de atuação finalística, tais como postos de trabalho vinculados a saúde, assistência e educação. Atividades de atuação intermediária e administrativa, precisam estar autorizadas na lei, bem como estar evidentemente demonstrado o interesse público e a necessidade de que, se não houver um Agente de Contratação Temporária, a população ou o interesse público estarão prejudicados.
Nesta esteira, para corroborar com o entendimento aqui assentado, destacamos que o Tribunal de Contas de Santa Catarina, possui diversos prejulgados detalhando e pormenorizando os conceitos das contratações temporárias, dentre eles, citamos:
- Prejulgado: 2003
- Prejulgado: 1927
- Prejulgado: 1877
- Prejulgado: 1927
- Prejulgado: 2041
III – CONCLUSÃO
Dessa forma, quanto as contratações assentadas no inciso IX do art. 37, asseguramos aos gestores que não há necessidade de se preocupar com o quantitativo de cargos criados por lei, mas sim, na observância dos seguintes requisitos:
- Destina-se a atender situações de necessidade temporária de excepcional interesse público;
- É indispensável a existência de lei local autorizativa, de iniciativa do Executivo, a ser aplicada nos poderes e órgãos do ente federado;
- As contratações temporárias devem ser por prazo determinado;
- A lei deve estabelecer as hipóteses e condições em que poderão ser contratados ACTs;
- Justifica-se para prestação de serviços temporários, situações de emergência ou surtos epidêmicos, substituição de pessoal por afastamento não previsível, projetos/programas especiais ou incipientes e para atender convênios (exceto cessão);
- O ACT exerce função pública e não ocupa cargo ou emprego público;
- A quantidade de ACTs não se vincula à quantidade de cargos ou empregos públicos, podendo ser função diversa do quadro permanente de pessoal;
- O regime jurídico estabelecido com os ACTs é administrativo especial e o vínculo se estabelece na assinatura do contrato administrativo (não há termo de posse);
- A lei do regime “especial” pode determinar que sejam aplicados alguns preceitos do estatuto (ou da CLT), desde que compatíveis com a natureza de contratação temporária;
- Os ACTs vinculam-se obrigatoriamente ao RGPS;
Insta, por fim, alertar aos gestores, que o mais coerente, democrático e isonômico é a realização de planejamento adequado e estruturado, visando sempre a cobertura dos postos de trabalho, por servidores em caráter efetivo, por meio de concurso público e que as contratações temporárias precisam ser, efetivamente, excepcionais e por prazo determinado, bem como alertá-los sobre contratações temporárias para funções estatais e administrativas, sem que haja previsão legal, além de efetiva justificativa coerente e a demonstração evidente do excepcional interesse público.
BÁRBARA M. P. SEIFERT DE ARAUJO – ADMINISTRADORA (CRA/MS 6449), ESPECIALISTA EM DIREITO ADMINISTRATIVO, COM ÊNFASE EM NORMAS DE GESTÃO DE PESSOAS E REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL